quinta-feira, dezembro 31, 2020

O ESTADO DA DEMOCRACIA À ENTRADA DE 2021

Os sintomas da nossa democracia à entrada de 2021 e a quatro anos do meio século de experiência prática são de estado crítico não obstante pertencermos a uma União Europeia, também ela, com dificuldades de consagrar uma união de Estados Democráticos que crêem na entreajuda democrática comum e exclui os que enveredam pelos autoritarismos que se sobrepõem ao Estado de Direito e da Lei.

Continua a dificuldade de formação de governos estáveis quer à direita quer à esquerda; e quando tal acontece sob pressão de um iminente mal insuportável logo, pouco tempo depois e resolvido o mal maior, os partidos voltam a fechar-se em suas conchas e linhas vermelhas e as dificuldades de entendimentos ficam bloqueadas; a instabilidade dá da democracia sinais de incapacidade e incompetência para resolver os problemas do povo e este, desorientado, acusa os políticos de poder e volta-se para os charlatães que prometem tudo e até cumprir todas as promessas e impossibilidades evidentes; criada a ideia de que a charlatanice é o que está a dar os charlatães nascem das ruas e sua charlatanice desagua nos orgãos de soberania para subvertê-los.

Ao caldo algo eferverscente veio juntar-se uma pandemia viral que trouxe mais desorientação e agitação de novo tipo sobre o pensamento comum e daí alguns sintomas mais salientes de insanidades.

A greve da fome dos auto-apelidados "a pão e água" capitaneada pelos master-chefes de cozinha e donos dos mais mediatizados, prósperos e caros restaurantes do país, professores críticos altaneiros dos restaurantes tradicionais e igualmente ostentado poses de novos-ricos da indústria da restauração criada para servir turistas ricos e fazer crescer água na boca dos remediados. Instalados em modernas e aconchegadas tendas de campanha, sempre bem acompanhados, fingiram durante uns dias estar "a pão e água" frente à AR depois de umas repentinas tentativas de manifestações pelo país tentando arregimentar o povão. Face ao fracasso da manifesta tentativa política, à primeira oportunidade, enrolaram as virtualhas e as tendas; à procura de novo pretexto para nova oportunidade?        

O defunto Cavaco e o moribundo Passos ergueram-se de seus lares de velhos gerontes mentais criticando porque não iniciou o governo a vacinação covid pelos idosos, estes mesmo que tais gerontes apelidaram de "peste grisalha" porque não só já não contribuíam como ainda eram um custo que esvaziava o pote onde os seus se lambuzavam; falsos condoídos agora dos idosos quando antes os consideravam a própria peste. E como sempre, quem assim aprende ser não consegue ser diferente, vieram pregar falácias e mentiras aos portugueses; que a TAP privada não custaria nada aos portugueses. Então não se vê de caras que os privados pagavam as contas todas de milhões e milhões com os aviões todos em terra? Imaginar por imaginar também podemos pensar que os privados vendiam os aviões encaixavam a maioria da massa e davam falência de imediato até porque esta é a prática mais usual dos grandes empreendedores; é até pelo uso de tal prática que são grandes empreendedores como o demonstra o caso Novo Banco. Nenhum deles alguma vez falou claro e verdade aos portugueses e foram os principais responsáveis pela vinda da troika contra a solução, negociada em Bruxelas através do PEC IV, que evitava tal vinda e fazer do país um "protectorado" como despudorada e desavergonhadamente Portas titulou Portugal na altura. Contudo tais gerontes mentais continuam proclamando suas falsidades como verdades exactas e os académicos, o falso e sobretudo o pedante, que escrevinha livros mais rápido que o J.Rodrigues dos Santos, diz que previu tudo, nunca errou e se quiserem saber (e aprender) é só consultarem os seus livros; está lá tudo. Claro, uma vez escrito à posteriori ele inventou, readaptou e reescreveu tudo para sua falsa glória e faz dos seus livros romances de pura ficção acerca de factos que tratou miseravelmente, nunca praticou ou são de autoria de outrém.

Também os condutores de camiões TIR estacionados obrigatoriamente em parque de aviões e auto-estradas durante uns dias, por motivo de controle burocrático sanitário devido à pandemia, deram um sinal de doença democrática. Provavelmente foram apenas aqueles poucos que tiveram acesso à TV e mais alguns que imediatamente se inebriaram e fascinaram com a oportunidade de protagonismo; estes logo declararam que estavam "abandonados" e nenhum enviado do governo fora à sua presença prestar contas face à sua condição de abandonados e perdidos estacionados à vista do mundo em modernas auto-estradas famosas do dito mundo; viram-se abandonados quando, precisamente, todo mundo via nas TVs onde estavam, todo o mundo sabia qual era o problema e os dois países amigos envolvidos tentavam resolver o imprevisto problema pelo que o caso estava perfeitamente controlado e não duraria mais que uns dias parados; porque raio de motivo de vida se proclamaram abandonados, precisamente, no momento em que o mundo da UE tratava de resolver o caso dos seus camionistas? Protagonismo ingénuo ou  democraticismo infantil como doença da democracia? 

Outro caso sintomático de doença democrática é o ridículo e triste caso da guerrilha que, latente e camuflada há muitos anos, inacreditavelmente se tornou facto real em Évora durante a distribuição para Sul das vacinas covid. Que podemos pensar de uma situação destas? Uma coluna de viaturas civis para a qual é, desde a origem, designada ser escoltada por uma força armada até o cumprimento integral da missão e pelo caminho, à entrada de cada vila ou cidade, é interceptada e bloqueada por outra força armada do mesmo país e mesma tutela? Não, não se trata de uma anedota ou brincadeira de mau gosto mas de um acto provocatório e atentatório de uma democracia sã. E se a coluna fosse escoltada por uma força militar armada também seria interceptada pela polícia de rua de Cidade? E caso assim fosse contar-se-iam espingardas, tiros, feridos e mortos para saber-se quem cantava vitória? Que se passa com tais maus sinais democráticos? Acaso a chamada presidencial, institucionalmente indevida e despropositada, do chefe máximo das polícias ao palácio de Belém tem algo a ver, mesmo indirectamente, com o caso? É um caso que simplesmente aconteceu ou aconteceu por alguma causa mal esclarecida que está falhando na democracia?

Que, desde agora, a começar no dia de Ano Novo de 2021, uma ideia seriamente democrática seja implantada nas escolas e nas instituições em especial nas forças policiais republicanas, desde as chefias às praças, para que prevaleça o regular funcionamento da democracia e o bem e o progresso cheguem cada vez mais a mais portugueses.

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quinta-feira, dezembro 24, 2020

SOBREVIVI DA GUERRA E DOS TIROS


                                            Sobrevivi da guerra e dos tiros

                                            de duras lutas na vida civil

                                            passei pela revolução de Abril

                                            será que não me livro do vírus?

                                            Resisti a males e maldades

                                            dores lágrimas e suspiros 

                                            passei por tantas idades

                                            será que não passo pelo vírus?

                                            Corri selva campo e cidades

                                            cruzei terra céu mar e oceano

                                            dei voltas ao mundo redondo.

                                            Vivi prisões e liberdades 

                                            tempos de jovem e do catano.

                                           Veio o bicho e; alto, tem ávondo?

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quarta-feira, dezembro 16, 2020

ACERCA DO QUE SIMPLESMENTE ACONTECE

Como todos sabemos directamente do nosso existir há os factos que o homem faz acontecer por deliberação própria, por negligência, por imprudência ou ignorância e aqueles que por acaso ou acidente simplesmente acontecem.

Dos factos que o homem faz acontecer, uma vez que são previsíveis, foram criadas as correspondentes leis, regulamentos, códigos, preceitos, recomendações e respectivas punições ou condecorações de acordo com a gravidade, ou bondade, do facto cometido.

E acerca dos factos que simplesmente acontecem; como ajuizá-los? 

Sim, aos factos surgidos inesperada e imprevisivelmente na comunidade como os devemos tratar? Um acidente, uma homicídio por uma disputa casual de um bem, um homicídio por roubo, ferimentos graves por uma disputa mesquinha, matar por loucura, matar por descuido ou em legítima defesa e outra formas violentas de provocar danos e dores a terceiros, como os ajuizar, defini-los e enquadrá-los nas leis dos códigos vigentes? 

Certo, todos os graves crimes de sangue injustificáveis onde intervém a mão do homem e praticado de seu livre-arbítrio terá uma causa motivadora, original que levou ao acto do crime; a justiça apurará os responsáveis mentores e fautores do crime e aplicar-lhe-à a punição devida segundo a lei. Contudo, nos crimes que simplesmente acontecem surge a dúvida se em casos de um sistema hierarquizado, os chefes hierárquicos devem ser também eles corresponsabilizados pelos actos criminosos praticados por terceiros totalmente alheios a si pessoalmente, à entidade organizada que chefiam assim como aos estatutos, regras internas, acções de formação, valores e prática cultural da dita organização. 

No caso do homem morto por alguns subalternos agentes de uma corporação estatal, o SEF, sob que ponto de vista político pode ser corresponsabilizado um governante, neste caso o ministro da tutela? 

Volta-se sempre aos exemplos históricos; qual o crime de Sócrates? Heresia e corrupção (mental) dos jovens atenienses; e foi condenado à morte. Porque na sociedade grega desse tempo não havia um pensamento ou sistema moralista com sansões tais acusações foram sentidas e tomadas como atentado à polis. É claro que tais acusações que condenaram Sócrates se enquadram integralmente no que o pensamento moderno influenciado pelo cristianismo considera, hoje, valores morais. 

Qual o crime de Eduardo Cabrita? Não ter adivinhado que o crime ia acontecer? Bem, digo eu, podia ter perguntado à Manuela F. Leite ou à multidão de oráculos grunhos que pululam por aí e também nos media e sabem sempre tudo acerca do que "estava-se mesmo a ver que ia acontecer" ou "toda a gente sabia que um dia isto ia dar-se" ou aos mais sofisticados como o sempre afofado contentinho tudólogo Daniel Oliveira que, pelo que o ministro "fez" já deu para ter a certeza de que o homem está morto, matado e decapitado pelos oliveiras pois eles já decretaram que o homem não tem cabeça; se o virem por aí será um seu fantasma porque, ele mesmo e a sua persona, estão mortos, enterrados pelos pensadores oliveiras, coveiros de políticos.

A filosofia moral moderna, depois de Kant, perante um facto que simplesmente acontece, do acaso, impensável, questiona-se acerca do "que devo fazer?" no sentido de um "dever" moral e não distingue entre o "ético" e a moralidade. Ora, o processo em curso do combate político, no encalço da moralidade kantiana, já reduziu a política à moral e com esta tenta criminalizar os adversários políticos. 

Precisamente, trata-se de equiparar e equivaler o sistema de moralidade corrente e suas correspondentes "obrigações" morais ao sistema de leis da justiça e seus "deveres" políticos; de imediato qualquer uma obrigação moral é assimilada como um dever político. E, claro, uma vez um "dever político" não cumprido equivale a uma "responsabilidade política" não cumprida levada ardilosamente ao exagero como se fora uma promessa política incumprida, falsa.

Contudo, na realidade, a falsidade está no ardiloso sistema de equivalências entre o político e o moral que igualiza conceitos de justiça inscritos nas leis com preconceitos morais prescritos por parábolas. Pois, o sistema de moralidade preocupado com uma situação particular que, simplesmente acontece surgida inesperada e imprevisivelmente na comunidade, não exige qualquer obrigatoriedade de responsabilidade política indirecta de toda uma hierarquia mas sim da ética e a ética republicana é o respeito e o dever perante a lei da República e não perante mandamentos, epístolas, parábolas, evangelhos ou credos.

Se se entender e aceitar responsabilidades políticas por deveres morais, como é o sentido actual nas democracias, estas estarão condenadas ao desaparecimento em favor dos déspotas à maneira (Maquiavel explicou) das repúblicas das cidades-estado italianas; muito rapidamente se instalará uma corresponsabilização imparável em cadeia hierárquica que não permitirá governar; então atingiremos a tal situação observada cá pelos romanos há séculos; "nem se governam nem se deixam governar", logo é preciso um "imperador-governador-salvador" qualquer.

No caso presente, o facto em questão, pela sua barbaridade medieval concita uma generalizada repulsa de consciência moral e deve levar o Estado a uma reparação condigna. Contudo tal reparação deve ser efectuada sob condições de justiça democrática provados todos os factos e seus aspectos particulares e nunca sob uma chuva diluviana de carpideiras quase a exigirem, por um lado a restituição da vida ao morto e por outro a morte do ministro.

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segunda-feira, dezembro 07, 2020

ACERCA DO LIVRO "Não me f**** o juízo" de Colin McGinn

O professor de filosofia Colin McGinn diz que a discussão acerca do livro "On Bullshit", (Da Treta) de autoria do filósofo Harry G. Frankfurt, inesperadamente, lhe despertou a atenção para um conceito relacionado mas distinto que era corrente nas discussões coloquiais; "Mindfucking" (f**** o juízo). 

E quando, um dia, após ter feito uma palestra em contexto académico acerca de corpo-mente e consciência em estilo radical para abalar o auditório um colega lhe contou que um aluno da audiência se lhe dirigiu e desabafou que tal palestra lhe "fodera o juízo". Diz Colin que nesse momento compreendeu de imediato o sentido maior do tema da sua palestra e iniciou um estudo mais aprofundado do conceito de não me "f**** o juízo".

Da comparação dos dois conceitos fica a ideia que a essência da treta está na falta de uma preocupação com a verdade e trata-se de "dar tanga" ou "gastar saliva" ou "dar música" num jogo de conversa fiada entre troca tintas para chatear o parceiro; tem sempre o sentido de chatear para gozo próprio e não criar convicções no interlocutor. O foder o juízo pode dar-se no bom sentido de ser uma experiência "reveladora" que nos dá uma nova perspectiva de ver um facto ou assunto e no mau sentido quando é premeditada e executada friamente para perturbar a mente ou fazer uma "lavagem ao cérebro" de outrem; quando é calculada e executada pensadamente segundo métodos de manipulação mental.

Um exemplo benigno de foder o luízo pode ver-se na "Mudança de Paradigma" usada por Thomas Kuhn em "A Estrutura das Revoluções Científicas". Pois em geral as mudanças de paradigma dão-se no sentido da verdade, envolvem mudança profunda de perspectiva, reorientam o pensamento, inspiram choque e admiração, são perturbadoras e excitantes; é citado o exemplo das revoluções de Copérnico e Darwin como sublevação do pensamento, uma revolução na consciência, criação de uma nova realidade.

Como exemplo maior, clássico, de alguém que fode o juízo a outrem dá o caso das ligações entre Otelo e Iago na peça dramática "Otelo" de Shakespeare. Tais ligações levam a relações de sedução, alteração de desejos e consciência, de crenças, sentidos e valores que capturam o outro e o levam até à demência e auto-destruição. Outro caso semelhante que posso citar por impressão própria é o filme "O Criado" de Joseph Losey de 1963 que trata também de um caso de inversão de poder entre patrão e criado sob o signo da vontade de dominação por mudança de mentalidade do outro. É do conhecimento popular as relações entre o ministro e o seu chefe e homens de gabinete na série "Yes Minister" no qual o chefe de gabinete fodia o juízo constantemente ao ministro incompetente e trapalhão.    

Estes são casos, diz, de psicofodas pessoais mas que as há do tipo colectivo, institucionais, em toda a História da Civilização. Estas são relacionadas com doutrinação, propaganda, produção de relações de empoderamento (relações de dependência velada ou óbvia), de logro sistemático ligado a emoções de medo e ódio, de manipulações mentais exploradas por apelos ao ressentimento, ansiedades, mentiras e inversão de valores. O fascismo e o comunismo são exemplos claros mas há de todo o tipo e de sempre; os falsos pretextos da guerra do Iraque de 2003; aquela que os sofistas pregaram a Sócrates e Platão acerca da virtude, o bem e a verdade e a que este nos pregou com o púdico-imaterial "amor platónico"; a gigantesca psicofoda, segundo os pós-modernos, de lavagem ao cérebro que levamos para aceitar a ideia de razão universal e realidade objectiva reforçada pelo capitalismo e religião; os provérbios, frases feitas, lugares-comuns e preconceitos são todos formas de nos foder o juízo, negativamente. Foder o juízo envolve depositar ideias como sementes nos outros, à semelhança do macho-fêmea, para que adquiram vida própria e espalhem pela população.

A verdade, em particular, não é o objectivo adequado da investigação intelectual e ainda menos da política; qualquer discurso que pretenda ser mais do que mera expressão de subjectividade ou solidariedade é em si uma forma de foder o juízo ás pessoas; o discurso de Passos Coelho acerca de que nunca cortaria pensões e salários e que bastava cortar nas "gorduras" do Estado para haver finanças suficientes para resolver os graves problemas do país é o paradigma da psicofoda à portuguesa.     

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