quarta-feira, maio 17, 2023

TESES SOBRE O PUTINISMO


 

TESES SOBRE O PUTIN-ISMO

1. O putin-ismo é o resultado do falhanço total do marxismo-leninismo como organização social sistémica assim como o Xi-pinguismo, o Un-ismo e outros totalitarismos derivados menores. O sistema puramente materialista que considera o homem unicamente uma existência material e uma consciência alienada que faz dele exclusivamente uma força de trabalho, uma extensão da ferramenta martelo ou foice com que trabalha e produz coisas; em suma, como se se tivesse convertido em mais uma peça fixa de máquina da produção industrial. Tal processo mecanicista infernal foi um embuste ideológico que se auto-destruiu ao bater contra a muralha dos homens que, mesmo, alienados deliberadamente pela radical e abrupta mudança de circunstâncias sociais, cultura e tradições seculares, nunca deixaram, nem nunca deixarão, de ser pessoas pensantes racionais que elaboram juízos de valor científico-morais e ético-críticos do que são e fazem os outros homens vivos e ativos entre si e sobre a terra.

2. Uma das mais fortes e recorrentes explicações do apodrecimento e queda do socialismo real são os famosos “desvios” entre o planeado e o verdadeiramente realizado. Culpam-se os operários, quadros, os apparatchik, o aparelho do regime, e até o secretariado e sobretudo o secretário geral após sua morte ou derrube palaciano. Porque se davam tão constantes e fortes desvios? Primeiro, devido ao irrealismo das metas pretendidas; segundo, face a tais metas irealizáveis e aos fracos meios de produção, pese a dureza do stakanovismo implantado, nunca tais metas iriam ser atingidas e os trabalhadores desligavam-se do plano de produção porque, alem de não serem tidos nem ouvidos para nada, também lhes faltava liberdade para criticar ou propor soluções. O proletariado sentiu, desde início, o logro do socialismo caído do alto do Secretariado tal qual a chuva ou o tempo que fazia caía do céu. Assim, limitavam-se a realizar rigorosamente o que constava do plano mesmo errado que fosse, e exigiam pormenores e explicações detalhadas para tudo o que lhes era exigido executar, instituindo, deste modo, um ritmo lento de produção segundo um quase regime de greve de zelo.

3. A esta coincidência da mudança das circunstâncias com a mudança da atividade humana ou com a mudança dos próprios homens, concebiam-na e entendiam-na racionalmente, os marxistas-leninistas, como “prática revolucionária”. Verdadeiramente, no socialismo real da URSS, deu-se precisamente o contrário; o que, teoricamente, parecia uma evidência à frente dos olhos foi na prática, exatamente, esse modelo que dispensava o conhecimento critico-prático dos operários experientes, que levou a produção aos desvios irreparáveis e ao empobrecimento e deterioração contínua do regime.

4. O regime caiu com estrondo e a URSS estilhaçou-se mas não caiu a história de grandeza da Rússia; esta registava séculos de czarismo e poder absoluto, pelo que, como sempre acontece face à queda a pique de qualquer regime, este, vira-se para a história e grandezas passadas para ressuscitar o nacionalismo interno necessário ao aparecimento de um chefe forte que reúna de novo o povo à volta de uma causa, a do novo chefe. Foi Putin o homem escolhido para levantar de novo alto a alma da mãe russa. Este foi-se apoderando do poder e, criadas as condições de inamovível do contolo do poder absoluto, tinha de lutar por algo igualmente grande à imagem da grandeza russa e sua própria genialidade de condutor incontestado do histórico povo russo. Neste tipo de chefe messiânico surge, facilmente, a ideia de restabelecer a ordem e grandeza histórica por meio de instintos nacionalistas de vingança nascida do ressentimento do passado recente. Explorou quanto pôde os recursos naturais próprios com o fito exclusivo de armar-se e preparar-se para um tempo certo de poder reconstruir o velho império czarista ou, no mínimo, parte do recém caído império da URSS.

5. Dado o falhanço clamoroso do regime totalitarista organizado sob um centralismo absoluto e arbitrário escondido atrás do falso pretexto da “ditadura do proletariado” o regime voltou-se, necessariamente, para o tipo de regime mais à mão e já experimentado; o capitalismo sem regras, selvagem, do princípio da era de industrialização que permitiu o enriquecimento vertiginoso da grande burguesia e esta a derrubar a realeza do poder que fora, precisamente, o estudo crítico de Marx e o levou à concepção do sistema revolucionário marxista. Esta foi uma consequência da necessidade, pois, permitia o enriquecimento rápido do regime e ao chefe a tão pretendida manutenção do poder. Constata-se facilmente, hoje em dia, que todos os regimes do socialismo real se converteram a este sistema de valores totalitários, agora, quando os chefes se tornam vitalícios, sob forma diferente e tendem para se tornar uma monarquia hereditária imitação do Un-ismo da Coreia do Norte.

6. O putinismo, rearmado e auto-convencido de grande potência que podia atuar no jogo do contexto global, ensaiou o seu novo poder militar com a invasão final da Tchechênia já realizada por Putin que, por tal feito, se instalou no poder até hoje. Bem sucedido fez novos ensaios na Geórgia e em outras tentativas de independência de antigas repúblicas populares soviéticas que continuou com a invasão da Crimeia e depois, cada vez mais foito, testou na Síria em situação de alto risco e ganhou. Ganhador e entusiasmado a ambição subiu de grandeza; o plano alargou-se para a dimensão mínima do “espaço vital” da antiga URSS de cuja perda se lamentava e da qual extraiu a ideia e o plano de sua futura grandeza histórica à maneira do czar Pedro, o grande.

7. Putin voltou, de certo modo, a pensar à boa maneira marxista-estalinista e nietzscheriana acerca do poder da vontade. Assegurado o poder, feito o entesouramento e o rearmamento com o negócio de venda dos bens naturais era tempo de repensar e preparar a grandeza do seu futuro legado histórico à mãe russa. Sempre impregnado de valores tradicionalistas e teorias marxistas da alienação, não pelo trabalho, mas, agora, pela estado de vida de bem-estar e conforto de anafado burguês, imaginou o homem ocidental e o ocidente em estado plasticina, moldável, decadente e impotente, já sem noção de terra mãe, pátria ou nação, logo, destituído de vontade de lutar em defesa de princípios e valores insensíveis, abstratos que não se traduzem em bens materiais de riqueza.

8. Assim pensou e assim foi levado na ideia simplista de que não teria qualquer oposição caso invadisse um vizinho que não se submetesse, por medo, voluntariamente. Como a invasão da Crimeia não provocara a queda da Ucrânia para a órbita russa, tornando esta um protetorado russo à maneira da Bielorrússia, incentivou, alimentou, organizou e financiou separatismos nas províncias de maior expressão russófona e fez uma guerra contra a Ucrânia nessas províncias. Os ucranianos opuseram-se e responderam, também, com guerra. A manobra russa descarada foi ferozmente combatida pelos ucranianos que não consentiram a ocupação russa daquelas províncias mais russófonas.

9. Falhado este plano de tomar aquelas províncias, como uma primeira fase da invasão total posterior da Ucrânia, alguém que quer ficar na história como Putin, o grande, pensou numa solução militar final poderosa, infalível, de espantar o mundo. Intimida a Ucrânia e o mundo com um enorme e ruidoso exército às portas ucranianas e faz de conta que são apenas manobras militares. Pensaram que, como grande potência nuclear, nunca poderiam perder a guerra até porque estavam apetrechados com moderno armamento nuclear tático para uso particular o que conteria os adversários, uma vez ameaçados. E, também, mais uma vez, armado do pensamento marxista-leninista de que o homem é, e em especial o homem ocidental, apenas a sua existência material sem valores, dum exército grandioso impressionante de meter medo e de seu pessoal poder da vontade de ficar em grande na história da mãe russa, avança com uma invasão em coluna directa a Kiev imaginando que apenas bastava a dimensão e o ruído dos motores dessa infindável coluna para pôr em fuga os ucranianos e eventuais apoiantes. Tal foi a auto-confiança e certeza de uma vitória tão rápida que, imaginaram, não daria tempo a qualquer hipótese de reação, contestação ou confrontação pelo que, desde logo, iniciaram a prática de matar e arrasar tudo que se lhes deparava pela frente numa tática brutal de terra queimada onde não restaria ninguém para contar o que quer que fosse para além da história do vencedor.

10. Passado um ano sobre a invasão russa da Ucrânia constata-se que a invasão foi inacreditável e infantilmente pensada e pior preparada; que a ameaça nuclear não pega como meio de chantagem dado a possibilidade inevitável de uma resposta idêntica e em vez de uma proteção do povo russo pode provocar o seu desaparecimento. Constata-se, igualmente, que o poderio militar russo convencional não coincide com o que pensavam os militares e conselheiros russos de Putin, seus homens de mão e apologistas incondicionais. Outra constatação imediata retirada da guerra Rússia-Ucrânia é que a dependência europeia do gás e petróleo russo barato era uma ideia falsa, pois, um ano após a guerra e as sanções de corte desse abastecimento os preços dos combustíveis na Europa estão ao nível de antes da guerra. E fica provado, na prática que, tal como os americanos depois de Hiroxima não mais se atreveram a usar armas nucleares (Vietnam, Afganistão), todas as potências nucleares têm uma arma armazenada tão para além da capacidade humana de destruição que, cada vez mais na medida da sua disseminação, não pode usar.

11. Tal como todas teorias sociais sistémicas, paridas da cabeça de homens sábios, para aplicação de criar um mundo diferente de forma abrupta imediata com promessa de um mundo novo e melhor contra o estabelecido pela sedimentação milenar da luta entre racionalidade humana e racionalidade da natureza, resultaram sempre em fracassos e sacrifício humano incomensurável. Também foi assim com a revolução marxista-leninista russa ou com a revolução do super-homem e seu poder da vontade de tipo nazi. Segundo Adorno; “Na prática, ao alcançar o poder político total absoluto, o materialismo marxista-leninista escravizou a consciência em vez de a transformar".

12. O putin-ismo quis, com a sua atual invasão, impor-se no concerto dos países grandes e fazer parte do secretariado mundial das grandes potências. Vê-se agora, claramente, que não tem arcaboiço político-económico para tal. E para seu mal, o mais certo após a guerra da Ucrânia, é que fique à mercê do Xi-pinguismo chinês que, segundo a argúcia confuciana, seguiu o caminho de tornar-se, primeiro, uma potência económico-financeira para ser, depois, uma super-potência à escala global. E aqui chegados, surgem alguns exóticos grupos de gente europeia, e não só, a proclamar que o futuro deverá ser o mundo ao modelo atual do regime chinês. A pergunta é: porque razão lógica a cultura europeia de democracia liberal, que guiou a cultura e o progresso do mundo séculos a fio desde a Renascença, que espalhou e sedimentou uma das suas línguas tornando-a quase universal para o comércio entre os povos do mundo, deve negar e inverter a sua cultura de liberdade e democracia para se virar e submeter aos valores chineses tão desconhecidos ainda hoje, para o ocidente, como eram à época das descobertas portuguesas? Vamos retroceder para uma língua de hieroglifos que não entendemos nem sabemos escrever ou interpretar com confiança? Vamos abandonar uma cultura de prevalência pela democracia e liberdade, formal ou não, que permite a liberdade de opinião e expressão sem delito prisional para retrocedermos séculos ao tempo de reis e imperadores vitalícios? Vamos reconverter-mo-nos em imitadores de processos e ideologias de obediência confucionista em detrimento do pensamento filosófico, ético, científico e culural livre e de ponta do mundo ocidental? A parte grande da humanidade que já vive em democracia e os milhões que lutam pela democracia espalhados pelo mundo sob regimes não democráticos vão deixar-se submeter e sujeitar à brutal contradição do pensamento político e ético chinês; isto é, ao confucio-nismo paternalista benevolente para os bons obedientes e, ao mesmo tempo, o dao-ismo/moi-ismo de aplicação do terror mais duro porque “as prioridades do governante são o seu próprio poder” tal como o mquiavel-ismo iria propor ao príncipe séculos depois?

O grande unificador da China foi Qin Shi (259-210 a.C.) que se designou Huangdi que significa «imperador». Fê-lo, precisamente, segundo a aplicação intransigente da ideia confucionista-daoista da cenoura ou chicote sem alternativa tal como é, hoje em dia, a ideia e a prática do unificador XI Jiping, presidente vitalício, claramente já demonstrada acerca de Taiwan, Hong Kong, Macau e antes demonstrada desde as várias terroristas "revoluções" de Mao até Tiannanmen.

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